“Químico es veneno, acaba con la vida! La única salida es la Agroecología!”.
O idioma não foi problema para que a plateia do 10º Encontro da Rede Ecovida de Agroecologia entoasse essas palavras de ordem junto com a delegação latino-americana que enchia o palco na Plenária Final do evento. Presenteando a Rede Ecovida com a colorida bandeira da wiphala e sementes de quinoa e noni, mais de 50 compañeras e compañeros de 14 países latino-americanos marcaram sua presença no evento, que foi uma preparação para o 3º Encontro de Donatários da Fundação Inter-Americana (IAF), realizado entre 24 e 26 de abril em Passo Fundo (RS). Organizado pelo CETAP com apoio do Cepagro, o Encontro de Donatários reuniu representantes de 41 organizações apoiadas pela IAF na Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, costa Rica, Equador, el Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru e República Dominicana. Comercialização, SPG, Gênero, Juventude e Sementes foram alguns dos temas trabalhados em oficinas e visitas de campo. Além do amplo intercâmbio de experiências, demandas e interesses entre as organizações, o Encontro marcou também a continuidade da articulação do Convênio entre Cepagro e IAF que mobilizará uma rede de Agroecologia na América Latina.
O intercâmbio dos donatários e donatárias começou durante o Encontro Ampliado da Rede Ecovida, em Erexim, com apresentações e atividades para o reconhecimento mútuo dxs participantes. Com a facilitação dxs agrônomxs Eliziana Vieira de Araújo e Rogério Súniga Rosa, o grupo compartilhou suas expectativas e contribuições para o Encontro enquanto localizavam-se no mapa da América Latina. “Amistad” – “amizade”, em castelhano – foi um dos aportes mais mencionados.
Com uma exposição de banners sobre os trabalhos das organizações, as possibilidades de intercâmbios começaram a ser desenhadas. Divididos em grupos, os participantes liam os materiais e indicavam com quais organizações tinham interesse em trocar experiências e aprendizados. Rodas de chimarrão ao final de cada tarde também serviram como espaços de articulação e (re)conhecimento mútuo.
Através de uma parceria com a Universidade de Passo Fundo, uma equipe de tradutores e tradutoras fez a ponte linguística para que xs latino-americanxs pudem participar das oficinas e seminários do Encontro Ampliado da Rede Ecovida.
A temática dos Sistemas Participativos de Garantia (SPG) na Rede Ecovida foi uma das mais apontadas pelxs participantes como sendo de seu interesse. David Flores, do Grupo Guia, de Honduras, é um deles: “Um aspecto desconhecido é o caso do Sistema Participativo de Garantia, que nós queremos implementar no meu país esse sistema”, disse. A semente de um SPG a partir do Encontro Ampliado da Rede Ecovida já brotou em outros países, como aconteceu com o Centro Campesino, do México. Inspirada pela experiência da Rede Ecovida que eles conheceram durante o Encontro Ampliado de 2012, realizado em Florianópolis (SC), a organização fundou a associação Tijtoca Nemiliztli, que hoje implementa um SPG no estado de Tlaxcala, a 100km da Cidade do México.
Dentre os donatários e donatárias brasileirxs, a Rede Ecovida também é um exemplo. “Nós estamos articulando uma Rede Tocantinense de Agroecologia, uma rede horizontal, que envolva os agricultores . Então, conhecer como funciona a Rede Ecovida foi fundamental”, explicou Selma Yuki Ishii, da APA-TO. Para que a estrutura e dinâmicas de funcionamento da Rede ficassem claras, o agrônomo Laércio Meirelles, um dos seus fundadores, realizou duas apresentações sobre a Rede Ecovida: uma durante o Encontro Ampliado, outra no Encontro de Donatários.
Já reunido em Passo Fundo, o grupo iniciou as atividades montando um relicário , reunindo símbolos e recordações dos seus países e organizações. A esses tesouros, foram adicionados mais sonhos e expectativas, juntamente com uma colheita dos aprendizados do Encontro da Rede Ecovida.
“O mais importante para nós é criar essa rede de interesses com objetivos comuns pela agroecologia”, afirmou David Ivan Fleischer, representante da IAF no Brasil, durante a abertura do Encontro.
Mas a atividade principal do primeiro dia do Encontro de Donatários foi as visitas a campo para conhecer cinco experiências em agroecologia apoiadas pelo CETAP. O ponto de comercialização de produtos agroecológicos da Associação Sagra Italiana, no município de São Domingos do Sul (a 85km de Passo Fundo), foi a primeira parada de um dos grupos.
Também foram visitadas pequenas propriedades agroecológicas em que destacam-se o protagonismo das mulheres e da juventude. Uma delas foi a de Odete Mezomo e seus filhos André e Gabriela Favretto, em São Domingos do Sul. Com uma produção diversificada, a família entrega alimentos para escolas e também participa de duas feiras. “Quando meus pais entraram nesse tipo de produção, veio a vontade de ficar. Não ia querer trabalhar com veneno”, conta Gabriela. Além da transição agroecológica, outro desafio enfrentado pela agricultora de 30 anos foi o machismo. “Quando o nosso grupo pediu para eu dirigir o caminhão para a Feira, eu mesma resisti, porque achei que eu não ia conseguir dirigir o caminhão. Isso é machismo! Porque a sociedade nos coloca papéis. Pois, dirigir um caminhão é ‘coisa de homem e não é coisa de mulher’. Então eu duvidei que eu ia conseguir fazer. Mesmo assim fui, por insistência do grupo, e consegui fazer!”, conta.
Ali perto, na propriedade da família de Maristela Ferro, a participação das mulheres e dos jovens na produção, comercialização e tomada de decisões também é significativa, assim como na da família de Ademir Cé, outra experiência visitada.
A rodada de visitas terminou com jantares nas comunidades. Dois dos grupos foram recebidos no Salão da Comunidade 6 de Maio, em São Domingos do Sul. Muitos moradores vieram recepcionar os visitantes latino-americanxs. Além da bela macarronada com galinha caipira e vinho colonial, a noite teve muita música em português, italiano e espanhol.
As visitas a campo foram apontadas como um dos pontos altos da programação do Encontro por vários participantes , como Rosa Murillo, do MESSE (Equador): “A visita com as famílias e o tema de transformação, que aqui é constante no sentido de valorizar a diversificação da produção, foi muito interessante. Como vocês lidam com as capacidades humanas, de troca, de partilha. A experiencia da Ecovida é maravilhosa pelo modo que se vai articulando as coisas e envolvendo as pessoas”, disse.
A troca entre as organizações também foi potencializada nas oficinas e apresentações do Encontro, trabalhando com temas como Comercialização, SPG, Gênero, Juventude e Sementes.
A metodologia do encontro estimulou os e as participantes a realizar e apresentar sínteses das discussões já durante o Encontro.
O Encontro de Donatários coincidiu com o encerramento das comemorações pelos 30 anos do CETAP, Uma grande celebração no dia 25 de abril, com a entrega de homenagens a figuras históricas da entidade, painel de discussão sobre o papel das organizações da sociedade civil e degustação das delícias produzidas pelos grupos de agroecologia assessorados pelo CETAP deu um toque mais do que festivo à programação do Encontro.
Depois de quase uma semana de vivências, a avaliação dos e das participantes sobre os Encontros – da Rede Ecovida e de Donatários – enfatizou o fortalecimento mútuo através do compartilhamento de informações, demandas e desafios. “Apesar de ter coisas parecidas entre as organizações, há também diferenças e aí está o verdadeiro aprendizado. Podemos estreitar as relações com outras organizações e partilhar o que nós sabemos e o que nós fazemos com as outras organizações”, disse David Flores, do Grupo Guia (Honduras). Ele faz coro com a fala de Roberto Sandoval Rodriguez, do Fundesyram (El Salvador), durante a Plenária Final do Encontro da Rede Ecovida: “Nestes dias como delegação aprendemos muito. Que os problemas e estratégias para superá-los são similares na américa latina. Que os países que representamos não estamos sós, pois temos vocês. Que é mais importante o grupo, e não o indivíduo. Que nos sentimos uma rede latino-americana de agroecologia graças a vocês”.
Selma Yuki, da APA-TO, identificou desafios às entidades que trabalham com agroecologia: “Pouco apoio governamental na realidade dos países que tem interesse de resolver os problemas na agroecologia. O apoio é dado por instituições como a IAF, que aportam os recursos, e isso limita o campo de atuação e a potencialidade de a gente disseminar mais isso como política, e de desenvolvimento como país. Eu vejo a agroecologia como uma matriz tecnológica que poderia ser a base de um desenvolvimento de um país, e, isso passa desapercebido. De qualquer forma, as instituições que apoiam a agroecologia estão atuando nesse sentido, fortalecendo a agroecologia e disseminando conhecimento. Isso é formidável e espero que a gente consiga, através de uma Rede a nível de América Latina, inserir políticas públicas para que a gente consiga realmente transformar a agroecologia”.
Além dos desafios, as organizações também listam suas fortalezas a serem compartilhadas com outras. “Um ponto forte que podemos compartilhar é o processo de produção agroecológica com enfoque em prioridades em segurança alimentar para consumo próprio. Porque sabemos que há grupos que produz comida sã para outros comerem, sem consumir a própria comida que produz”, avalia David Flores, do Grupo Guia, que trabalha com o fornecimento de cestas agroecológicas com excedentes da produção de pequenos agricultores e agricultoras como estratégia que conjuga produção agroecológica diversificada, segurança e soberania alimentar e circuitos curtos de comercialização.
Articulando cerca de 200 organizações, associações e cooperativas equatorianas, o Movimiento de Economía Social y Solidaria del Ecuador (MESSE) também esteve representado no Encontro. Rosa Murillo, uma de suas integrantes, conta que o coletivo poderia compartilhar suas experiências sobre “o aspecto administrativo e organizacional e a comercialização articulada com a campanha de consumo responsável , porque incluímos aí os consumidores nesse processo. Trabalhamos com comunicação alternativa em visitas do Movimento, além da troca de saberes das práticas da Economia Solidária”.
O Convênio firmado em setembro de 2016 entre Cepagro e IAF buscará acolher algumas dessas demandas de intercâmbios. Até 2019, o projeto Saberes na Prática em Rede promoverá a cooperação do Cepagro com a IAF e outras 5 organizações latino-americanas – CETAP (Brasil), Fundesyram (El Salvador), MINKA (Peru), APRO (Paraguay) e Centro Campesino (México) – para articular uma rede de colaboração em torno da agroecologia, promovendo a troca de experiências e o compartilhar de conhecimentos entre organizações latino-americanas. Nos próximos 2 anos e meio serão realizados seminários e oficinas de intercâmbio no Brasil e em outros países da América Latina, cujas temáticas e locais serão decididas participativamente pelo Comitê Gestor.